Crise da Americanas: Onde estava a alta gestão da empresa todo esse tempo?

O caso do rombo de R$ 20 bilhões que veio à tona este mês envolvendo a gigante do varejo brasileiro, Americanas S.A., e que na verdade podem ultrapassar os R$ 43 bilhões, uma vez que o divulgado não inclui impostos municipais e de outros Estados e nem o “passivo oculto”, referente às “inconsistências contábeis” de débitos, expõe várias questões relevantes sobre o papel da alta gestão no dia a dia das corporações e com certeza podemos tirar alguns aprendizados deste lastimável fato.

Em primeiro plano, cito a falta de senso de urgência, em pleno século 21, do trio de acionistas extremamente conceituado no cenário empresarial brasileiro que delongaram para se posicionar publicamente, perante uma situação tão importante e que já tem impactado milhares de pessoas. A alta gestão da empresa levou mais de 10 dias para divulgar uma nota ao mercado, na qual, literalmente, lavou suas mãos, dizendo que desconhecia as práticas contábeis que já levaram à recuperação judicial da Americanas. Com isso, conseguiu rasgar um dos pilares das melhores práticas de gestão de crise, que é a comunicação: que deve ser transparente, coesa e objetiva.

Estamos falando da vida de mais de 40 mil funcionários da varejista, que estão certamente angustiados com os rumos de suas vidas daqui para frente. Além disso, é um fato que corroeu ações e está impactando várias outras empresas do setor na Bolsa de Valores, incluindo aí a própria Ambev, de Lemann. Setores financeiros que investiam em ações da Americanas S.A. também foram atingidos, além dos inúmeros fornecedores da varejista e milhares de pessoas que investiam suas reservas financeiras nas ações das Americanas.

Em tempos em que o ESG, que tanto têm sido apregoadas por grandes empresas na atualidade, faltou por parte da Americanas um dos pilares principais do conceito ESG: a transparência. Primeiro porque nenhum conselheiro de administração, conselheiro fiscal, acionista, CEO ou CFO descobre uma inconsistência contábil de R$ 43 bilhões da noite para o dia. Segundo é ilusão achar que eles não tinham conhecimento; e Terceiro, questiono, onde estavam os executivos da alta gestão da Americanas? Com apenas 9 dias o CEO empossado em janeiro, Sérgio Rial descobriu tal inconsistência, de pelo sete anos atrás.

Da mesma forma, cabe a pergunta: onde estava o ex-presidente da empresa, o ex CFO, e a empresa de auditoria PwC? Estava todo mundo a ver navios na condução de uma empresa gigante e tão organizada em processos como a Americanas? Já se é sabido que a gestão por helicóptero, ou seja, aquela em que os executivos não se aprofundam nas operações e números, juntamente com os demais níveis da companhia, já não funciona mais e temos o caso real do que estou elucidando.

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Vale lembrar que segundo levantamento do TradeMap, de janeiro a setembro de 2022, foram distribuídos R$ 333 milhões em dividendos pela Americanas aos seus acionistas, sendo este, o maior valor pago até então. Nos causa no mínimo estranheza este montante sendo distribuído, se a empresa estava com problemas de inconsistência; não é verdade?

Muito além das planilhas financeiras, é relevante lembrar também que no ambiente corporativo falhas na comunicação entre a alta gestão, a média gestão e demais colaboradores da equipe podem gerar inúmeros problemas de entendimento e de execução de demandas, podendo inclusive gerar prejuízos financeiros. Colaboradores – de todos os níveis hierárquicos – precisam de instruções precisas sobre suas tarefas, de como executá-las em tempo hábil e, principalmente, saber o que é prioridade e o que pode ser executado com mais tempo. Se a comunicação não flui, o resultado pode ser perda de tempo e de produtividade, e, claro, prejuízos.

Com tal acontecimento, uma marca consolidada como as Lojas Americanas, está literalmente abalada e com a credibilidade afetada. E já que falamos do poder da marca, é preciso estarmos atentos permanentemente às nossas atitudes cotidianas, uma vez que não se pode falar uma coisa e fazer outra. A coerência tem sido cada vez mais observada e valorizada por todos os stakeholders que nos rodeiam e cabe a cada um praticá-la no dia a dia. Se falamos cada vez mais dentro das companhias sobre a importância dos valores, propósito e legado, agir de modo incoerente pode impactar nosso êxito profissional e na solidez da corporação.

Lembro ainda a importância do papel do Conselho de Administração, que tem buscado se profissionalizar cada vez mais, já que é corresponsável, inclusive com responsabilidade fiduciária, por verificar balanços e documentos da empresa e tem papel relevante em decisões e rumos a serem tomados. Os conselheiros devem agir como protagonistas da gestão, apontando direções e aconselhando a alta e média gestão e quando necessário, promover e/ou orientar mudanças.

Fica a reflexão sobre qual aprendizado os profissionais que atuam em grandes, médias e pequenas empresas podem tirar do caso Americanas S.A. A meu ver, é essencial que no dia a dia do trabalho haja consistência técnica, acompanhamento e revisão (sempre que necessário) de processos que nos parecem rotineiros (e são), independentemente do tamanho da empresa e do seu faturamento. Se foi identificado um pequeno erro, trate de corrigi-lo; se houve dúvida ou má interpretação para executar uma tarefa, pergunte novamente. Não hesite em questionar.

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Conselheiros, CEOs, CFOs, diretores, gerentes, assistentes, analistas e estagiários – Todos devem olhar para si, para a empresa onde trabalham e observar também as tendências e best practices que o mundo corporativo vive na atualidade. E é preciso também lembrar que o que funciona hoje, amanhã poderá estar obsoleto. Nos tempos atuais e com a velocidade da disseminação da informação nos meios digitais, práticas de ESG serão cada vez mais cobradas pela sociedade.

Leia também: Americanas começa a demitir funcionários indiretos e dispensar fornecedores

Resta saber agora se haverá penalização aos principais executivos da empresa envolvidos ou se será mais um caso em nosso país, onde a impunidade ganha destaque.

Por David Braga, CEO, board advisor e headhunter da Prime Talent, empresa de busca e seleção de executivos, presente em 30 países pela Agilium Group; é conselheiro de Administração e professor convidado pela Fundação Dom Cabral; além de conselheiro da ABRH MG, ACMinas e ChildFund Brasil.

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Leonardo Grandchamp

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